Deck lança o álbum inédito “Elza Soares & João de Aquino”

“Elza za za, Elza za, Elza za, eu sou Elza/Sou Elza za za, eu sou Elza za za/Eu sou Elza/Sou Elza, sou Elza za za za za…”

Diz-se das grandes vozes que elas são como instrumentos. Em geral, metaforicamente: a ênfase está no “como”. No caso de Elza Soares tal afirmação pode ser tomada literalmente, a voz dela é um instrumento, a ênfase deve estar no presente do indicativo do verbo ser. Senão ouçam, sobre a mais famosa das melodias, “Moonlight serenade” de Glenn Miller, Elza fazer um scat com o seu próprio nome e a precisão de um trompete. E o refinamento, se prestar mais atenção, de um trompete com surdina.

Tal improviso de voz-trompete, sobre a vigorosa batida de samba do violão de João de Aquino, se dá na introdução de um dos clássicos do repertório da cantora, “Devagar com a louça”, da dupla Luiz Reis e Haroldo Barbosa que ela tanto gravou nos anos 60. E que ela começa, desta vez, também botando seu nome na letra, como um aviso: “Devagar com a Elza, que eu conheço a moça…”.

Não se trata de mero egocentrismo ou de sacrifício em vão da rima, mas do próprio espírito do disco. “Elza Soares & João de Aquino”, álbum novo e inédito da cantora e do violonista, gravado numa única sessão de estúdio em algum dia da segunda metade da década de 1990, já nasce clássico. E, como poucos outros da imensa discografia da cantora, com a característica de traduzir totalmente a sua musicalidade, sua maneira de cantar, o seu gosto e o tipo de repertório que de fato aprecia. Quem quiser saber quem é Elza Soares, em um disco, basta ouvir este “Elza Soares & João de Aquino”.

A gravação é fruto de muita intimidade musical. Produtor de discos importantes da cantora, como “Negra Elza, Elza negra” para a CBS em 1980 com muita macumba, samba e partido alto, e seu parceiro de palco em diversos shows desde a década de 70, o violonista João de Aquino tem a técnica e o vigor, o mesmo espírito improvisador e imprevisível da cantora. E, embora esta gravação tenha ficado mais de vinte anos esquecida em fitas analógicas guardadas numa gaveta, a impressão que se tem é que esse duo precisava existir, ter seu registro lançado, como agora faz a Deck.

A gravação foi feita no histórico, e hoje infelizmente fechado, estúdio Haras, na Lapa, pelo técnico de som Nilo Sérgio – o mesmo estúdio onde seu pai, o velho e célebre produtor e compositor Nilo Sérgio gravou discos antológicos da gravadora Musidisc, de artistas como Ed Lincoln, Orlandivo, Trio Surdina, a orquestra Românticos de Cuba e muitos artistas de samba. João de Aquino acompanha Elza em todas as faixas, às vezes dobrando o violão ou inserindo ele próprio alguma percussão, quando necessário.

O repertório, como que para fazer jus ao encontro, é composto basicamente por clássicos inquestionáveis, de diferentes fases, como que a contar a história da música brasileira. Vai da valsa “Eu sonhei que tu estavas tão linda” (Lamartine Babo/ Francisco Mattoso), dos anos 40, passando pelo samba “Antonico”, de Ismael Silva nos anos 50; desembocando nos anos 60 com a épica “Hoje”, de Taiguara; indo para os anos 70 e a existencialista “Juventude transviada” de Luiz Melodia, cujos versos iniciais – “Lavar roupa todo dia, que agonia” – ganham outra dimensão na voz de Elza; até invadir a década de 80 com o não menos clássico bolero “Como uma onda”, de Lulu Santos e Nelson Motta.

Cantora e violonista também reinventam clássicos – por vezes contraditoriamente esquecidos – do próprio repertório de Elza. Dá gosto, por exemplo, ouvir a voz madura de Elza Soares revisitar o samba “Cartão de visita” (Edgardo Luis/ Nilton Pereira de Castro), criado por ela em seu primeiro disco, de 1960. Bem como o já citado “Devagar com a louça”. No mesmo espírito de agradar aos aficionados de seu estilo, Elza grava pela primeira vez o “Mambo da Cantareira” (Barbosa da Silva/ Eloíde Warthon), que foi lançado em 1960 por Gordurinha, mas que bem poderia ter sido por ela – que como o cantor baiano, faz a música balançar como ninguém. Outro clássico dos anos 60, “Que maravilha” de Jorge Ben e Toquinho, tem aqui a primeira gravação em português de Elza, que já havia registrado a música em italiano, com versão de Sergio Bardotti, no período em que esteve com seu então marido Garrincha exilada em Roma, em 1970.

“O meu guri”, de Chico Buarque, tem aqui uma gravação  de voz e violão ainda mais emocionante do que a que Elza faria com banda em 1997, no disco “Trajetória” – sua voz rascante sobre o violão ora dedilhado, ora percutido por João de Aquino potencializa ainda mais a dor da mãe que perdeu seu filho de que fala a canção de Chico.  Não menos comoventes são as gravações de duas obras-primas de Gilberto Gil, “Drão” e “Super-homem, a canção”, revelando mais uma vez a coragem dos artistas em encarar canções que já estavam consolidadas no imaginário da música brasileira.

“O violão, patrono do som, e Elza com suas interpretações perfeitas fizeram desse registro algo único”, define melhor João de Aquino.
“Foi chegar no estúdio e deixar fluir. Comigo e João sempre foi assim”, testemunha Elza Soares. “Acho que dá para perceber como estávamos à vontade no estúdio, não é mesmo? Uma alegria o público conhecer esse álbum. Tô empolgada.”.

Representando no arco histórico do disco a atualidade do momento da gravação, a década de 1990 vem luxuosamente em “Canário da terra”, espetacular samba de João de Aquino e Aldir Blanc, de 1996, que seria lançado simultaneamente pela própria Elza no disco do violonista, “Bordões”, e pelo letrista no CD “Aldir Blanc – 50 anos”. Neste samba confessional para os três – compositor, letrista e cantora – Elza Soares talvez cante o espírito mesmo do disco: “Taí minha herança e dela não abro mão/Canário da terra é meu coração/Sou do Rio de Janeiro, brasileiro…”.

Carioca do subúrbio de Padre Miguel e do “Planeta Fome”, como ela certa vez definiu sua origem, Elza Soares se uniu a João de Aquino – violonista virtuose do bairro imperial de São Cristóvão, na Zona Norte, aluno do maior violonista acompanhador do Brasil, Jaime Florence (o famoso Meira), e primo de Baden Powell – para ambos imprimirem sua visão da música brasileira. A voz de Elza, um instrumento, e o violão de João de Aquino, que parece ser uma extensão do corpo, complementares como se fossem uma coisa só, juntos fizeram um clássico. Um clássico, o autor destas linhas é obrigado a se repetir. Não há outra palavra.

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Confira um guia sobre a maior noite da música, o Grammy 2021 que acontece próximo domingo (14)

grammy2020
63º GRAMMYs Awards, acontece no domingo, 14 de março. Apresentado pelo apresentador do “The Daily Show”, Trevor Noah, o show conterá toda a música e magia que o público espera, ao mesmo tempo em que mantém as precauções de segurança do COVID-19. Os nomeados atuais incluem os maiores artistas da atualidade, incluindo  Beyoncé, Billie Eilish, Coldplay, Haim, Dua Lipa, Taylor Swift, Phoebe Bridgers e muitos outros. Artistas e apresentadores serão anunciados em breve.
Até lá, veja como se preparar para assistir seus apresentadores, indicados e vencedores favoritos do 63º GRAMMY Awards. Saiba mais sobre as diferentes maneiras de assistir ao show do  2021 GRAMMY Awards aqui e leia sobre como experimentar a temporada 2021 GRAMMY na íntegra abaixo.

Participe da GRAMMY Week:
Antes da maior noite da música, a Recording Academy está oferecendo uma infinidade de eventos maravilhosos como parte da GRAMMY Week 2021 . A semana começa na segunda – feira, 8 de março, com o GRAMMY In The Schools Fest , um evento virtual de quatro dias que celebra a música e a educação musical e apresenta apresentações de alunos e profissionais. (Este evento é gratuito para quem se inscrever com antecedência aqui(abre em uma nova guia).) Nesse mesmo dia, o Women In The Mix , outro evento virtual, vai reconhecer as contribuições das mulheres na música e vai amplificar a voz feminina. (Este evento acontecerá publicamente em GRAMMY.com.)
Grammy 2021
Na quarta – feira, 10 de março , a celebração da semana GRAMMY do Coletivo Inaugural de Música Negra apresentará uma série de conceituados criadores de música negra e profissionais conhecidos por amplificar as vozes negras na música e além. (Este evento pode ser visto em GRAMMY.com.)
Na quinta – feira, 11 de março , junte-se ao evento GRAMMY U Masterclass With Tayla Parx enquanto ela discute sua arte de escrever canções e experiência da vida real como uma artista multifacetada. (Este evento pode ser visto no canal da Recording Academy no Facebook(abre em uma nova guia).) No mesmo dia, a Celebração do 20º aniversário da Ala de Produtores e Engenheiros , um programa privado de uma hora, celebrará o marco de 20 anos da Ala de Produtores e Engenheiros da Recording Academy .
Na sexta-feira 12 de março , MusiCares ” Music On A Mission fundraiser virtual irá honrar a resiliência da comunidade de música, que foi profundamente impactado pela COVID-19 pandemia. Nesse dia, a 23ª Annual Entertainment Law Initiative , um evento privado, irá homenagear a Black Entertainment and Sports Lawyers Association (BESLA). Confira a lista completa de indicados ao GRAMMYs 2021 aqui
Cerimônia de estreia:
Antes da transmissão do GRAMMYs, certifique-se de ir aos bastidores com GRAMMY Live. Em primeiro lugar, a 63ª Cerimônia de Estreia dos Prêmios GRAMMY acontecerá no domingo, 14 de março, e será transmitido ao vivo internacionalmente via GRAMMY.com . Apresentado pelo atual três vezes indicado ao GRAMMY, Jhené Aiko, a Cerimônia de Estreia contará com apresentações dos atuais indicados ao GRAMMY, incluindo Burna Boy, Terri Lyne Carrington + Ciências Sociais, Jimmy “Duck” Holmes , Igor Levit, Lido Pimienta, Poppy, Rufus Wainwright e muitos outros. A Cerimônia de Estreia também é onde iremos premiar mais de 70 GRAMMYs em gêneros musicais que vão desde clássico e jazz a R&B, música global e muito mais.
Assista ao 63º GRAMMY Awards:
O único lugar para assistir a Biggest Night da música é na CBS, CBS All Access e Paramount. Durante a transmissão, visite GRAMMY.com durante a noite para assistir aos discursos de aceitação e entrevistas com os vencedores da noite.

Suricato se junta a Vitor Kley no lançamento do single “A dois”, que chega acompanhado de clipe

Vitor Kley e Suricato

Após ser indicado ao GRAMMY® Latino pela segunda vez consecutiva e lançar três álbuns somente em 2020, o carioca Suricato se juntou ao gaúcho Vitor Kley em uma parceria inédita para o lançamento do ensolarado single “A dois” (Ramon Matheus/ Ébano Machel), faixa que aproxima os mundos dos dois artistas e presenteia o público com um som leve e potente. Ouça e baixe aqui: https://umusicbrazil.lnk.to/ADoisPR . A nova canção chega acompanhada de um videoclipe, gravado em duas praias diferentes do litoral brasileiro, com direito a muito pé na areia e coração em alto mar. “A dois” está em todas as plataformas de música e o clipe já está disponível no canal oficial do Suricato no YouTube.

Apesar de a colaboração entre Suricato e Kley ser novidade, a música “A dois” é, na verdade, uma regravação da faixa homônima de uma banda independente chamada “Tem Amor”. Fã declarado de Vitor Kley, Suricato não hesitou em chamar o cantor para uma emprestar sua voz para essa nova versão do single.

“Na turnê do disco ‘Na Mão as Flores’, eu cedia o espaço de abertura para até seis artistas se apresentarem. Era lindo. Entre eles, uma banda chamada ‘Tem Amor’, que eu já conhecia e adorava. Escutei a música ‘A dois’ em um pocket show deles e amei. Como normalmente componho meu repertório sozinho, achei que seria maravilhosa a ideia de gravar uma canção de um artista independente. O Kley foi minha primeira opção, amo o trabalho dele e ele adorou a música. Ele é um cara que é sinônimo de sol é sempre bom ter por perto”, revela Suricato.

Honrado pelo convite, Vitor já sentia uma conexão forte com Suricato, mesmo antes de conhecê-lo. “O Rodrigo me mandou uma mensagem dizendo que tinha um som que era a minha cara, a minha vibe, e eu fiquei muito feliz! Tenho uma admiração musical por ele muito grande, então, nós já estávamos conectados antes mesmo de nos conhecermos. Acho que quando as pessoas se admiram artisticamente os universos já se aproximam muito“, conta Vitor Kley.

Com a regravação de “A dois”, Rodrigo, à frente do projeto que leva seu sobrenome, “Suricato”, apostou em um som mais brasileiro, mas com pegada. Na letra, o público poderá identificar trechos que enfatizam a importância do outro e versos que falam de amor e afeto. Em tempos nos quais a intolerância e o discurso de ódio ganham força, sobretudo na internet, “A dois” ostenta em sua letra a esperança e a união.

“Esse som vai levar esperança, união e leveza. Acho que quando dois artistas colaboram, já é sinal de união, coisas boas, respeito e amizade. E acho que o mundo sempre precisa disso, não só neste período caótico que estamos vivendo. As pessoas precisam se unir, lutar um pelos outros, estender a mão. Precisamos fazer isso por uma questão de humanidade, pelo bem das próximas gerações. Tenho certeza de que ‘A dois’ será uma companhia maravilhosa para dias complicados, dias de solidão das pessoas e até para mim mesmo”, diz Kley.

Para combinar com uma canção leve, nada mais justo do que um clipe ameno e suave. “Eu queria um clipe ao ar livre, sem nenhum conceito moderninho produzido para dar atmosfera hype. É a simplicidade da natureza com dois artistas que se interessam por ela e por boas canções”, explica Rodrigo.

O novo single de Suricato e Vitor Kley contou com uma participação pra lá de especial, que deu à canção uma nova roupagem. Convocado por Suricato, o público pode dar pitacos e opinar no resultado final de “A dois”. O processo colaborativo deu tão certo que o músico pretende repeti-lo em trabalhos futuros.

“Estou cada dia mais aberto aos processos colaborativos, pois me percebo mais seguro de mim. Um dos meus maiores propósitos é compartilhar informações com artistas independentes e o meu público. Sempre digo que ‘o processo é a própria arte’ e, por isso, achei boa ideia abrir a caixa preta do meu trabalho para as pessoas opinarem. Arriscado, nada pop, mas não me arrependo”, explica.

Recentemente, a pandemia do coronavírus completou um ano no Brasil. Neste período repleto de incertezas, cancelamento de shows e isolamento social, Suricato fez o que nenhum outro artista nacional conseguiu. Só em 2020, ele lançou um número impressionante de três discos e um single, sendo seu ano mais produtivo. Também não teve essa de bloqueio criativo para Vitor Kley, que usou a quarentena para escrever sobre a saudade e a falta e aproveitou para ficar com a família.

A admiração mútua e o respeito entre os dois artistas é antiga, mas fica ainda mais evidente em “A dois”. A potência e bagagem musical de Suricato misturada com a positividade do autor do hit “O sol” resultou em uma versão espontânea e autêntica.

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